quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Meu menino

I

Encontrei meu menino sentado nos degraus da vida. Solto por aí e todo perfumado, para quem quisesse apenas vir e apanha-lo. Convidei-o para entrar. Ele recusou e eu ofereci uma xícara de café e quem sabe um baseado. Nova recusa.
Me dava tanta pena vê-lo ali sentado. Todo lindo e com uns olhos rasos de lágrimas pisadas; hematomas lacrimais.
Elogiei sua nova tatuagem. Uma equação toda doida estampada bem no meio da testa. Agora ele se encolhia todo, para ficar do tamanho de um feto, de um embrião. Quase invisível. Não pude resistir à tentação de afagá-lo com as pontas dos dedos. Sua pele não era nem remotamente tão macia quanto aparentava de longe; pelo contrário, era áspera e úmida como cimento fresco.
Ele estava sujo de sal. Não sal da praia, nem sal de suor, mas sal de sujeira. Sal de quem não tomava banho há dias. Perguntei se estava com fome; ele disse que sim. Tirei umas notas amarrotadas da carteira e ofereci. Ele pegou, mas não se moveu. Sua letargia começava a me enfurecer; quis bater nele. Depois lembrei que ele era só uma criança desamparada. Queria colo, queria peito, queria berço e manta quente, mas eu não podia dar nada disso, então, fiz o contrário, deitei em seu colo.
Fui caindo lentamente num turbilhão de sono e tesão. Adormeci por alguns segundos. Foi o suficiente para acordar com a resposta à equação e a cabeça dolorida, de encontro ao degrau imundo e nu, sem meu menino. E sem minha carteira.

Liana Borges

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