quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Comedor de Fezes

- Olha, seu doutor, eu já vim aqui mais de uma centena de vezes. Ninguém me acha a porra da doença. Só não me mande ir bater outro raio-x. É, eu sinto umas dores pelo corpo, sabe? Não consigo cagar nem comer. Fiquei brocha de repente. Sou jovem ainda, não tenho filhos nem sou casado. Toda noite acordo com uma frase na cabeça e anoto. Já enchi um caderno com elas. Sempre acho que é uma frase diferente, mas, quando vou ver, é sempre a mesma. Acordo de manhã achando que escrevi um livro e tudo que fiz foi mijar numas folhas de papel. Ás vezes eu esqueço como se escrevem as palavras. Ás vezes passo um dia inteiro sem saber minha língua, pensando n'outra. Já perdi meu emprego. Estou exausto. O que o senhor pode fazer por mim?

**


O bisturi pingava sangue quando ele acordou de repente. Tinha as meninges brutalmente reviradas. Um de seus lóbulos cerebrais estava sendo cuidadosamente repartido. Quis gritar, mas estava anestesiado:

- Como faço para provar que não estou louco?

E tudo o que ouviu foi um bipe contínuo do monitor cardíaco.


**

- Agora babo e sujo as paredes de merda. Arrancaram todos os meus dentes. Mas tenho paz, e isso é bom. Vou acordar em cinco minutos e escrever mais um pouco.

***

E no dia seguinte os funcionários do hopício encontraram um morto e a verdade divina.

Liana Borges

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